Os Efeitos da Elevação do Nível do Mar nas Praias de Recife
A elevação do nível do mar é um dos impactos mais preocupantes das mudanças climáticas, afetando diretamente as áreas costeiras em todo o mundo. Este fenômeno pode resultar em inundações frequentes, erosão costeira, e salinização de lençóis freáticos. As praias, que são barreiras naturais contra o avanço do mar, estão cada vez mais vulneráveis, o que pode levar à perda de habitats, redução da biodiversidade e impactos negativos no turismo e na economia local.
Diversas regiões costeiras já enfrentam graves consequências. Em Miami, nos Estados Unidos, por exemplo, a elevação do nível do mar tem provocado inundações regulares durante as marés altas, forçando a cidade a investir bilhões de dólares em sistemas de bombeamento e elevação de ruas. Na Indonésia, a cidade de Jacarta está afundando a uma taxa alarmante, com cerca de 40% da cidade abaixo do nível do mar, o que levou o governo a planejar a realocação da capital para uma área menos vulnerável. Esses exemplos ilustram a necessidade urgente de medidas de adaptação e mitigação para proteger as áreas costeiras e suas populações.
No Brasil, o município de Recife, em Pernambuco, enfrenta desafios semelhantes. Conhecida por suas belas praias e recifes de coral, a cidade já observa os efeitos da elevação do mar, como a erosão acelerada das praias e a inundação de áreas costeiras durante as marés altas. Bairros como Brasília Teimosa e Boa Viagem estão particularmente vulneráveis, com frequentes alagamentos que afetam a infraestrutura e a qualidade de vida dos moradores. É um problema que atinge não só Recife, mas também se estende para Grande Recife.
O governo local tem trabalhado em projetos de contenção e adaptação, mas a magnitude do problema requer uma abordagem mais abrangente e sustentável para garantir a resiliência da cidade frente às mudanças climáticas.
Erosão Costeira e Impactos Ambientais em Recife
Segundo o Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC), Recife é a capital brasileira mais afetada pelo avanço do nível do mar, e está na posição 16 no levantamento das cidades afetadas em nível global (UNICEF, 2023).
“Diversos aspectos fazem com que o Recife seja a cidade mais afetada pelo avanço marítimo, como a geografia, a densidade demográfica e até mesmo a desigualdade social, segundo especialistas. Não quer dizer que a capital vai ser 'engolida' pelo oceano, mas sim que tem muitos desafios a enfrentar” (G1, 2021).
O Professor de Oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco, Marcus Silva, explicou em uma matéria publicada no Eco Nordeste em 2022 (MOURA, 2022) que há uma série de problemas que só agravam a situação, sendo um dos principais deles os diques para contenção que são irregulares ou ineficientes. Marcus Silva enfatiza que os diques barram os sedimentos que provêm do sul para o norte e acabam transferindo o problema da erosão de uma praia para outra.
“Além de o mar estar avançando, está faltando areia. Esse processo ocorre por conta da ocupação desordenada, do barramento dos rios, da impermeabilização das praias. A ação humana, hoje, é muito mais causadora de erosão do que o avanço do mar pelas mudanças climáticas” – Professor Marcus Silva (artigo de MOURA, 2022).
A Ilha do Maruim é uma comunidade à beira-mar localizada na foz do Rio Beberibe, é uma das mais impactadas devido a baixa altitude e também vulnerabilidade social. A comunidade conhecida como “Paredão” está localizada a 100 metros do mar. Além da Ilha do Maruim outros locais que estão enfrentando grande impacto são Brasília Teimosa, Pina e Boa Viagem (FOLHA DE PERNAMBUCO, 2024).
Segundo um estudo realizado pela Secretaria de Meio Ambiente, sustentabilidade e de Fernado de Noronha (SEMAS, 2015) apontava já em 2015 a vulnerabilidade de Pernambuco em relação às mudanças climáticas, elevação do nível do mar e erosão costeira, sendo que 49% da região já apresentava vulnerabilidade moderada e 13% vulnerabilidade alta.
“ ‘Aquacêntrica’, caso o nível do mar suba ‘apenas’ 0.5 m, a cidade do Recife pode perder, segundo este estudo, 25.3 km² dos seus cerca de 50 km² de planície. Boa parte deste território que pode sumir está na área central, onde está o patrimônio histórico e cultural da capital estadual mais antiga do Brasil” (MOURA, 2022).
A elevação do nível do mar e a consequente erosão costeira estão causando impactos ambientais significativos nas regiões afetadas como à perda de importantes ecossistemas costeiros, como recifes de coral e manguezais, que desempenham um papel crucial na proteção da costa contra tempestades e na manutenção da biodiversidade. A destruição desses habitats naturais resulta na diminuição da diversidade de espécies marinhas e terrestres, afetando a cadeia alimentar e os serviços ecossistêmicos que sustentam a vida humana e animal.
Além disso, a salinização dos lençóis freáticos contamina fontes de água doce, devido a intrusão da chamada cunha salina, comprometendo a qualidade da água disponível para a população e a agricultura local. Esses impactos ambientais criam um ciclo de degradação que ameaça a sustentabilidade e a resiliência das áreas costeiras frente às mudanças climáticas.
Desafios Econômicos e Sociais para a População de Recife
A elevação do nível do mar e a erosão costeira representam desafios econômicos e sociais significativos para as populações das regiões afetadas. Em cidades costeiras como Recife, esses fenômenos naturais causam impactos profundos no dia a dia dos moradores e na economia local. O setor turístico, em particular, pode ser e em alguns casos já é duramente atingido, uma vez que a degradação das praias, que são um dos principais atrativos turísticos, resulta na diminuição do fluxo de visitantes. Menos turistas significam menos receita para hotéis, restaurantes, lojas e outros negócios que dependem desse setor, afetando a economia local e, consequentemente, a geração de empregos.
Além dos efeitos no turismo, a elevação do nível do mar e a erosão costeira trazem sérios problemas para a infraestrutura. A cidade enfrenta alagamentos frequentes, especialmente durante as marés altas, que causam transtornos significativos para a mobilidade urbana. Estradas, pontes e edifícios próximos à orla estão constantemente em risco, sofrendo danos estruturais que exigem reparos caros e contínuos. A deterioração da infraestrutura não apenas impacta a segurança e a qualidade de vida dos moradores, mas também aumenta os custos para o governo municipal e estadual, que precisam investir em obras de contenção e manutenção.
Os desafios sociais decorrentes desses problemas são igualmente preocupantes. Comunidades costeiras, muitas das quais já enfrentam vulnerabilidades socioeconômicas, estão sendo forçadas a lidar com a perda de moradias e propriedades devido à erosão e às inundações. A relocação de famílias inteiras torna-se necessária em alguns casos, levando a deslocamentos forçados e desestabilizando redes de apoio comunitário. A incerteza sobre o futuro e a constante ameaça de desastres naturais criam um ambiente de insegurança e ansiedade, afetando a saúde mental e o bem-estar das populações afetadas.
Para enfrentar esses desafios, é crucial que Recife adote uma abordagem integrada que combine medidas de adaptação e mitigação. Investimentos em infraestrutura resiliente, como a construção de barreiras contra inundações e a recuperação de ecossistemas costeiros, são essenciais para proteger a cidade. Além disso, programas de conscientização e engajamento comunitário podem ajudar a preparar a população para enfrentar os impactos das mudanças climáticas, promovendo uma cultura de resiliência e sustentabilidade. Apenas com ações coordenadas e contínuas será possível minimizar os efeitos adversos da elevação do nível do mar e da erosão costeira, garantindo um futuro mais seguro e próspero para todos os habitantes de Recife.
Segundo Fábio Pedrosa, Geólogo e Pesquisador do Climate Lab da Universidade Católica de Pernambuco:
“A cidade precisa se preparar melhor revendo e discutindo de forma muito séria e elaborada a diferença entre crescimento econômico e desenvolvimento. Se não tivermos competência técnica e social de entender, não temos condição, enquanto cidade, de enfrentarmos a questão da elevação do nível do mar” (FOLHA DE PERNAMBUCO, 2024).
Medidas de Adaptação e Projetos de Mitigação em Recife
Algumas medidas para adaptação e mitigação já vêm sendo realizadas em Recife e no Estado de Pernambuco como um todo. Em 2013, foram investidos 41 milhões de reais, grande parte desse montante proveniente do Governo Federal, para retirar sedimentos do fundo do mar e alargar a faixa de areia, na época, a água chegava até a porta dos prédios. Esses mesmos prédios continuam, até hoje, a barrar os sedimentos que naturalmente vêm dos rios, ventos e marés (MOURA, 2022).
Um outro exemplo é a pesquisa que Mila Montezuma (Arquiteta e urbanista da Universidade Federal de Pernambuco), desenvolveu a ideia de uma membrana anfíbia destinada a proteger a costa de Recife contra o aumento do nível do Oceano Atlântico. O projeto propõe um parque ecossistêmico de três camadas, que vai além de uma simples barreira física, incorporando elementos naturais (G1, 2021).
A proposta da urbanista inclui a criação de um parque tecnológico localizado a uma distância de 1.000 a 1.500 metros da costa, com foco na geração de energias renováveis (G1, 2021). O segundo componente do parque consiste em ilhas flutuantes, situadas a 500 a 1.000 metros da praia, projetadas para reduzir a erosão causada pelas ondas e proteger a biodiversidade (G1, 2021). Finalmente, o terceiro parque, planejado para estar a 500 metros da costa, visa criar espaços públicos de qualidade e purificar as águas, melhorando diretamente sua qualidade e controlando o nível das marés (G1, 2021).
Além disso, a SEMAS trabalha no desenvolvimento do Plano de Adaptação Setorial Recife (PASR), além da SEMAS, o PASR tem também a participação da Prefeitura do Recife, o ICLEI - Governos Locais pela Sustentabilidade e a WayCarbon (PREFEITURA DO RECIFE, 2022).
O PASR é baseado em quatro setores principais - Mobilidade Urbana, Saneamento Básico, Economia e Transformação Urbana - e tem como objetivo promover o desenvolvimento sustentável em Recife, através de análises técnicas e construção colaborativa, visando aumentar a resiliência da cidade aos efeitos das mudanças climáticas (PREFEITURA DO RECIFE, 2022).
O projeto está na fase de diagnóstico, que avalia as ameaças presentes e as projeções futuras relacionadas à elevação do nível médio do mar, inundações fluviais, seca meteorológica, ondas de calor, proliferação de vetores de doenças (Aedes aegypti) e deslizamentos de terra. Com a conclusão desta etapa, serão definidas e detalhadas ações prioritárias para os setores estratégicos, levando em conta os indicadores sociais e os grupos vulneráveis, conforme as análises desenvolvidas pelas equipes técnicas no Relatório dos Riscos Setoriais (PREFEITURA DO RECIFE, 2022).
Também será realizada a chamada "engorda da faixa de areia", a prefeitura de Recife lançou em março de 2024 o edital para empresas visando fazer um estudo e projeto para enfrentar o avanço do mar. Para isso, segundo o estudo de viabilidade técnica da licitação, será necessário fazer obras de engorda das praias da cidade, para devolver "largura segura de sua utilização" (G1, 2024; FOLHA DE PERNAMBUCO, 2024).
A elevação do nível do mar e a erosão costeira representam desafios econômicos e sociais significativos para o planeta, afetando profundamente o turismo, a infraestrutura e a vida cotidiana da população.
A degradação das praias, a frequente ocorrência de alagamentos e os danos à infraestrutura urbana evidenciam a urgência de medidas eficazes para mitigar esses impactos. Projetos inovadores, como a membrana anfíbia de Montezuma, e iniciativas integradas como o PASR, que promovem o desenvolvimento sustentável e a resiliência climática, são passos essenciais nessa direção. A colaboração entre governo, comunidade e especialistas é fundamental para implementar soluções duradouras que protejam o patrimônio natural e cultural de Recife, assegurando um futuro mais seguro e sustentável para todos.
Referências: