Águas subterrâneas, histórias invisíveis
Contar histórias é uma parte fundamental do ser humano, quem nunca ouviu uma história contada na infância e que passou de geração em geração ou mesmo foi autor de alguma história que despertou o interesse de alguém? As histórias têm papel muito importante no desenvolvimento das culturas, ouvir e contar histórias desperta a curiosidade e consequentemente instiga a pesquisa para se aprofundar sobre determinado assunto e desenvolver o pensamento crítico do indivíduo.
Assim, queremos usar esse poder de contar histórias para despertar o seu interesse para algo fundamental para vida: a água subterrânea. Fazer com que as águas subterrâneas sejam visíveis a todos, além dos especialistas, não é algo tão simples, é preciso que as pessoas conheçam o que são essas águas que estão sob nossos pés, nos aquíferos, para então despertar para ação de conservação, pois não se protege o que não se conhece. Assim nasceu o Projeto do Photobook: Águas Subterrâneas, Histórias Invisíveis (Making Groundwater Visible)!
Foto de ritesh arya no Pexels: https://www.pexels.com/pt-br/foto/criancas-em-pe-ao-lado-da-bomba-d-agua-manual-3079978/
As histórias não serão sobre a dinâmica das águas subterrâneas no subsolo, mas histórias que mostrem como nossos alimentos, nossos hábitos e nossas vidas estão intrinsecamente conectados às águas subterrâneas em todo o mundo. Histórias de como a água subterrânea salvou uma comunidade inteira e gerou saúde e renda. Ou mesmo histórias simples sobre um primeiro contato com águas subterrâneas.
Por que contar essas histórias?
Em uma matéria publicada no Jornal O Estado de São Paulo (2021), cujo título é “Estamos secando os continentes” os autores Oliveira e Soldera relatam que “recentemente uma pesquisa publicada pelo MapBiomas (2021) que causou grande surpresa e alarme mostrou que a superfície hídrica do Brasil reduziu-se em 15,7% nos últimos 36 anos (correspondente ao tamanho do Estado de Alagoas). Entretanto, o planeta como um todo vem silenciosamente transferindo água dos continentes para os oceanos há séculos: 15 a 25% da elevação do nível dos oceanos deve-se a água que é extraída por poços dos aquíferos indo para os cursos d’água superficiais e eventualmente chegando aos oceanos”.
Foto de Johannes Plenio no Pexels: https://www.pexels.com/pt-br/foto/passaro-negro-empoleirado-em-uma-arvore-nua-2496572/
Os autores enfatizam ainda que “a catástrofe apresentada pelo estudo mencionado mostra apenas o que é visível, sendo que os reservatórios naturais de água dos continentes, os aquíferos, que armazenam 98% de toda a água doce líquida disponível, não aparecem na foto. A água que atualmente se infiltra das chuvas não é suficiente para compensar a quantidade de água que é retirada desses reservatórios, muito longe disso. Num editorial recente para a conceituada revista Groundwater, Warren Wood e John Cherry (2021) alertam para a dimensão desse problema para a segurança alimentar do mundo, pois os dados de utilização da água dos aquíferos para irrigação pela agricultura são muito subestimados. De acordo com as Nações Unidas, aproximadamente 40% da irrigação global é de água de poços e o restante (60%) é de água superficial. Segundo eles, estes dados ignoram uma informação hidrológica fundamental: aproximadamente metade da água superficial é proveniente de água subterrânea como fluxo de base. Portanto, o uso total da água subterrânea para a irrigação global é de 70% do total (40% de poços e metade dos 60% classificados como água superficial)” (O ESTADO DE SÃO PAULO, 2021).
Estamos maltratando nossos continentes, precisamos chamar a atenção para a personagem mais importante: a água que se encontra sob nossos pés, invisível - as águas subterrâneas.
Quais histórias iremos contar?
Histórias que tocam o coração e despertam o engajamento de todos para essa missão tão fundamental que é tornar as águas subterrâneas visíveis. Alguns exemplos abaixo servem de inspirações e mostram o quão urgente é essa causa:
- Roberto Kirchheim (Geólogo do Serviço Geológico do Brasil – CPRM) tinha 22 anos quando foi para Moçambique, em plena guerra civil, trabalhar como gerente do programa operacional de água. “Abri uma caixa com equipamento de perfuração manual, tentei entender como funcionava e formei equipes para fazer o trabalho nas áreas mais remotas afetadas pela guerra. Mas, nunca havia perfurado um poço na minha vida. Peguei o equipamento manual, estudei peça por peça e fui montar sozinho o tripé, estava lendo e estudando o material que tinha e quando me senti seguro e conhecedor do equipamento disse 'agora vou formar uma equipe. Depois, falei para a minha equipe 'olha, vocês podem pensar que sou o chefe, mas não quero me colocar nessa posição porque estou aprendendo tanto quanto vocês". Na época, Roberto não se considerava hidrogeologista, estava entusiasmado com o que fazia e tinha muita curiosidade em aprender. Foi aí que despertou a paixão pelas águas subterrâneas e se tornou um excelente hidrogeologista. Ele tem ajudado há anos a tornar visíveis as águas subterrâneas.
Foto de Artsy Solomon no Pexels: https://www.pexels.com/pt-br/foto/recipiente-de-transporte-de-pessoa-na-cabeca-na-estrada-1108822/
- A Índia é o país que tem a maior utilização de água de poços do mundo, sozinha, ela extrai do subsolo um terço de toda a água que é extraída no mundo. O resultado é rios secando, poços secando. O problema social ali chegou a níveis incomparáveis. “A falta de água levou muitos agricultores à angústia e alguns até mesmo ao suicídio. Na Índia, em média, 46 agricultores cometem suicídio todos os dias, ou seja, quase um a cada meia hora. Nos últimos vinte anos, 2.035 agricultores pararam de cultivar todos os dias”. A principal fonte de água é a água subterrânea, importante para beber, para agricultura e lavoura, ou seja, os agricultores são totalmente dependentes da água subterrânea para todos os seus usos. A WASSAN em parceria com Arghyam trabalhou com as comunidades de Andhra Pradesh e Telangana para trazer uma mudança de comportamento no compartilhamento de água subterrânea. Este trabalho está ajudando a tornar as águas subterrâneas visíveis!
Foto de Rahul no Pexels: https://www.pexels.com/pt-br/foto/homem-vestindo-camisa-branca-de-manga-comprida-sentado-perto-de-uma-porta-de-madeira-branca-1009915/
- A construção de poços em Bilwi, na Nicarágua, ajudou a vencer a violência das gangues. “Cercada por rios e lagoas e voltada para uma paisagem atlântica, água boa, ironicamente, é difícil de encontrar. Apenas 20% de Bilwi podem acessar o abastecimento de água municipal limitado, com cursos de água públicos e riachos visivelmente poluídos. Apenas metade da população da cidade tem acesso a banheiros. Criado em 2013, um programa administrado pela WaterAid busca adolescentes que abandonaram a escola, enfrentam desafios excepcionais em casa ou estão em risco de envolvimento com drogas e gangues e oferece a eles a chance de se tornarem empreendedores qualificados”. Os adolescentes aprendem as habilidades de alvenaria e encanamento necessárias para construir poços e banheiros, de modo que o projeto lhes dá o conhecimento para estabelecer seus próprios negócios de encanamento. Este magnífico projeto está ajudando a tornar as águas subterrâneas visíveis e a mudar a vida de adolescentes e suas comunidades!
- O Aquífero Ogallala nas High Plains, Estados Unidos, está secando e isso traz prejuízos ambientais, sociais e econômicos. “O Aquífero Ogallala, o vasto reservatório subterrâneo que dá vida a esses campos, está desaparecendo. Em alguns lugares, a água subterrânea já se foi. Este é o celeiro da América - a região que fornece pelo menos um quinto do total da safra agrícola anual dos EUA. Se o aquífero secar, mais de US$20 bilhões em alimentos e fibras desaparecerão dos mercados mundiais. E os cientistas dizem que os processos naturais levarão 6.000 anos para reabastecer o reservatório”. Acredita-se que a água subterrânea seja responsável por 70% da irrigação global (WOOD & CHERRY, 2021), então temos que fazer com que todos vejam sua importância e encorajar processos agrícolas mais sustentáveis! Vamos tornar as águas subterrâneas visíveis.
Você tem uma história assim ou conhece alguém que tenha? Ajude-nos a tornar as águas subterrâneas visíveis! Saiba mais sobre o projeto, compartilhe e colabore com sua história: https://www.groundwatervisible.org/
Fonte:
O ESTADO DE SÃO PAULO, 2021: https://digital.estadao.com.br/article/281603833663353
WOOD & CHERRY, 2021:
https://ngwa.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/gwat.13122