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Dia Mundial da Conservação da Natureza: água e restauração de ecossistemas

O Dia Mundial da Conservação da Natureza, celebrado em 28 de julho, nos convida a refletir sobre a relação intrínseca entre a natureza e nossa própria sobrevivência. Mais do que uma data simbólica, este dia representa uma oportunidade para reafirmarmos o compromisso coletivo com a preservação dos ecossistemas e dos recursos naturais que sustentam a vida no planeta. Entre todos os elementos vitais, a água ocupa lugar central: ela conecta ecossistemas, sustenta a biodiversidade e garante a saúde humana. 

 

Ao relacionar conservação da natureza e água, inevitavelmente chegamos a um tema essencial e urgente: a restauração de ecossistemas como estratégia fundamental para assegurar a disponibilidade hídrica e a resiliência ambiental.

O planeta enfrenta uma crise hídrica sem precedentes. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), cerca de 2,2 bilhões de pessoas não têm acesso a água potável segura, enquanto 3,5 bilhões vivem sem serviços adequados de saneamento básico (CLIMAINFO, 2024). Paralelamente, a degradação dos ecossistemas — como florestas, manguezais, zonas úmidas e nascentes — reduz drasticamente a capacidade natural de purificação, armazenamento e regulação da água. A destruição dessas áreas compromete o ciclo hidrológico, aumenta a ocorrência de enchentes e secas e agrava a contaminação dos corpos hídricos.

No Brasil, país que detém cerca de 12% da água doce superficial do mundo, a distribuição desigual e a gestão inadequada potencializam esses problemas. Regiões como o Sudeste e o Nordeste enfrentam crises frequentes de abastecimento (INSTITUTO TRATA BRASIL, 2023), enquanto áreas ribeirinhas na Amazônia, paradoxalmente, também sofrem com escassez durante eventos extremos de seca. 

 

Em regiões tropicais, o desmatamento pode causar alterações no balanço hídrico e tornar o clima mais seco e quente, a floresta umidifica o ambiente pela evaporação da água do solo ou da transpiração das plantas (IPAM AMAZÔNIA), quando há desmatamento fragiliza a capacidade de retenção hídrica do solo, reduz a recarga de aquíferos e intensifica as mudanças climáticas regionais.

A relação entre vegetação nativa e disponibilidade de água é bem documentada na literatura científica. As florestas, por exemplo, atuam como verdadeiras "esponjas naturais", armazenando água no solo e liberando-a gradualmente para os rios, contribuindo para manter o fluxo de base durante períodos secos. Ao mesmo tempo, a cobertura vegetal protege as margens dos rios, reduz a erosão e filtra sedimentos e poluentes antes que cheguem aos cursos d'água. A perda dessas funções aumenta a turbidez da água, eleva os custos de tratamento e compromete a fauna aquática.

Diante desse cenário, a restauração de ecossistemas surge como estratégia central para enfrentar a crise hídrica e climática. A Década das Nações Unidas para a Restauração de Ecossistemas (2021–2030), lançada pela ONU, reconhece o potencial transformador dessa prática para recuperar funções ecossistêmicas, melhorar a segurança hídrica, sequestrar carbono e proteger a biodiversidade (UNEP). 

No Brasil, programas de restauração florestal, como o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (PLANAVEG), visam recuperar 12 milhões de hectares até 2030. Mas, cabe salientar que a restauração não deve ser vista apenas como um ato de recomposição vegetal, mas como uma ação integrada de reconexão entre a sociedade e os sistemas naturais.

Um exemplo emblemático são os projetos de restauração de nascentes e matas ciliares em bacias hidrográficas. Essas iniciativas recuperam a vegetação em torno de nascentes, zonas de recarga e margens de rios, permitindo maior infiltração de água e estabilização das margens. A recuperação de matas ciliares pode reduzir o aporte de sedimentos em rios, além de aumentar significativamente a biodiversidade local (SEMIL, 2023).

 

Além dos benefícios ecológicos, a restauração de ecossistemas tem impactos sociais e econômicos importantes. Em comunidades rurais, a melhoria da qualidade da água reduz custos com saúde pública, aumenta a produtividade agrícola e fortalece a segurança alimentar. Muitas vezes, as populações locais não percebem a conexão direta entre a degradação ambiental, a qualidade da água e a saúde. Programas de educação ambiental, aliados à restauração, são fundamentais para criar uma cultura de cuidado com os recursos naturais.

Por exemplo, nas comunidades rurais do interior do Brasil, a contaminação da água por fertilizantes, agrotóxicos e resíduos orgânicos — muitas vezes resultantes de práticas agrícolas inadequadas e falta de saneamento básico — é responsável por doenças como diarreias, hepatites e parasitoses. Segundo o Instituto Trata Brasil (2024)Brasil registrou um total de 344,4 mil internações por Doenças Relacionadas ao Saneamento Ambiental Inadequado (DRSAI), resultando em um desembolso de R$ 174,309 milhões para o sistema de saúde”. A restauração de áreas degradadas pode reduzir significativamente esses riscos, funcionando como uma barreira natural de proteção sanitária.

Outro aspecto relevante é o papel das áreas úmidas na manutenção da qualidade e quantidade de água. Ecossistemas como banhados, manguezais e várzeas atuam como filtros naturais, retendo nutrientes e poluentes, além de regular os fluxos hídricos. Apesar de sua importância, estima-se que 35% das áreas úmidas globais foram perdidas desde 1970 (UNITED NATIONS CLIMATE CHANGE, 2018). No Brasil, a destruição de áreas úmidas no Pantanal e na Amazônia coloca em risco não apenas espécies emblemáticas, mas também a estabilidade hídrica de grandes bacias.

A conservação da natureza e a restauração de ecossistemas também são fundamentais para enfrentar os eventos climáticos extremos. O aumento da frequência e intensidade de secas e enchentes no Brasil nos últimos anos evidencia a urgência de medidas estruturais que poderiam ser evitadas com a restauração de ecossistemas, proteção de matas ciliares e florestas.

 

Além dos governos, o setor privado tem papel essencial nesse movimento. Investir em restauração ecológica e proteção de mananciais tornou-se prioridade em estratégias de ESG (Environmental, Social and Governance), especialmente em setores como bebidas, alimentos, energia e mineração, que dependem fortemente da água. Programas corporativos de manutenção do equilíbrio hídrico, reflorestamento e compensação ambiental não apenas fortalecem a imagem institucional, mas também asseguram a viabilidade de operações no médio e longo prazo 

A participação das comunidades locais é decisiva para o sucesso de projetos de restauração. Povos indígenas e comunidades tradicionais detêm conhecimentos ancestrais sobre o manejo sustentável da terra e da água. Pesquisas demonstram que as áreas protegidas geridas por essas comunidades apresentam menores taxas de desmatamento e maior integridade ecológica (FAO & FILAC, 2021). O fortalecimento de projetos comunitários, com inclusão social e geração de renda, torna a conservação mais justa e eficaz.

Em última análise, o Dia Mundial da Conservação da Natureza deve ser um chamado à ação. Não basta celebrar as belezas naturais ou lamentar as perdas; é necessário promover políticas públicas eficazes, fortalecer marcos legais como o Código Florestal, combater o desmatamento ilegal e estimular iniciativas de restauração em larga escala. Ao mesmo tempo, é essencial construir pontes entre ciência, comunidades, setor privado e governos, criando redes colaborativas para a proteção dos ecossistemas.

 

Conservar a natureza não é um luxo ou uma agenda periférica — é uma condição fundamental para garantir água, saúde, alimento e estabilidade climática. Cada hectare restaurado, cada nascente protegida, cada área úmida preservada representa um passo em direção a um futuro mais resiliente e sustentável. A água, como fio condutor da vida, nos lembra diariamente da interdependência entre seres humanos e natureza.

Ao olharmos para as próximas gerações, é imperativo deixarmos como legado rios limpos, florestas vivas e ecossistemas íntegros. Proteger e restaurar a natureza é, em essência, proteger a nós mesmos. No Dia Mundial da Conservação da Natureza, sejamos agentes de transformação, assumindo o compromisso coletivo de reconstruir o equilíbrio entre a humanidade e os ciclos naturais da Terra.

Referências

CLIMAINFO, 2024

FAO & FILAC, 2021

INSTITUTO TRATA BRASIL, 2023

INSTITUTO TRATA BRASIL, 2024

IPAM AMAZÔNIA

SEMIL, 2023

UNEP

UNITED NATIONS CLIMATE CHANGE, 2018