Segurança Hídrica e Mudanças Climáticas: Adaptação e Resiliência
A água é um recurso essencial para a sobrevivência humana, para a manutenção dos ecossistemas e para o desenvolvimento econômico. Entretanto, nas últimas décadas, a segurança hídrica tornou-se um dos maiores desafios globais, sobretudo diante dos impactos cada vez mais evidentes das mudanças climáticas. De acordo com o as Nações Unidas as alterações no regime de chuvas, a intensificação de eventos climáticos extremos e a elevação da temperatura são os efeitos alguns dos efeitos das mudanças climáticas e que causam impacto aos recursos hídricos de diferentes regiões do planeta. Nesse contexto, a busca por adaptação e resiliência não se configura apenas como uma estratégia desejável, mas como uma necessidade urgente para assegurar o futuro das sociedades e a sustentabilidade dos ecossistemas.

Segurança Hídrica se refere à disponibilidade de água de qualidade e em quantidade suficiente para satisfazer as necessidades humanas, atividades econômicas e conservação de ecossistemas aquáticos, além disso, envolve gestão de riscos a que a população e o meio ambiente estão sujeitos relacionados a extremos de secas, cheias e falhas ou gestão ineficaz (ANA, 2019). Trata-se de um conceito abrangente que envolve não apenas a disponibilidade física de água, mas também aspectos sociais, econômicos, tecnológicos, políticos e institucionais que compõem sua governança. As mudanças climáticas vêm tensionando esse equilíbrio, pois regiões historicamente consideradas seguras em termos de abastecimento enfrentam hoje crises hídricas recorrentes.
O episódio ocorrido no Sudeste brasileiro em 2014 e 2015 é um exemplo emblemático: milhões de pessoas foram impactadas por uma crise sem precedentes, resultado de chuvas abaixo da média, gestão ineficiente e aumento da demanda (NOBRE et al., 2016). Por outro lado, áreas mais suscetíveis a chuvas intensas têm vivenciado enchentes cada vez mais graves, acompanhadas de prejuízos econômicos, perdas agrícolas, contaminação da água e danos à infraestrutura urbana. Essa contradição, marcada pela coexistência de secas prolongadas e eventos de chuva extrema, ilustra a complexidade de se lidar com a água em um planeta em aquecimento.

As alterações climáticas estão diretamente relacionadas ao ciclo hidrológico. O aumento da temperatura média global intensifica a evaporação e modifica os padrões de precipitação, produzindo desequilíbrios que podem tanto agravar as secas quanto aumentar a incidência de chuvas concentradas em períodos curtos, com maior risco de desastres (TRENBERTH, 2011). Soma-se a isso o derretimento acelerado de geleiras e o recuo das calotas polares, que representam fontes cruciais de água doce para bilhões de pessoas, além de impactar o desenvolvimento econômico, social e ambiental.
No Brasil, os impactos se manifestam de forma particular, em grande medida influenciados pela perda de cobertura vegetal. O desmatamento na Amazônia, por exemplo, compromete os chamados “rios voadores”, fluxos atmosféricos de umidade que abastecem o Centro-Sul do país.
Diante desse cenário, a adaptação surge como eixo fundamental para enfrentar os impactos das mudanças climáticas sobre a segurança hídrica. Entre as estratégias de adaptação, destacam-se a gestão de recursos hídricos, que considera de forma coordenada os múltiplos usos da água, desde o abastecimento humano até a produção de energia e a preservação ambiental; o investimento em soluções baseadas na natureza, como restauração de matas ciliares, recuperação de nascentes e proteção de áreas úmidas, que além de aumentar a resiliência dos ecossistemas também garantem serviços ambientais essenciais, como a regulação do fluxo de água e a melhoria da qualidade hídrica; a adoção de tecnologias voltadas ao uso eficiente, como sistemas de irrigação de precisão, reúso em processos industriais e captação de água da chuva; além de medidas de planejamento urbano sustentável, que priorizam a infiltração e a drenagem inteligente para reduzir alagamentos.
Outro ponto essencial é o engajamento da sociedade por meio da educação ambiental e da participação comunitária, que fortalece a governança e amplia a legitimidade das políticas públicas.

No entanto, ainda que a adaptação seja imprescindível, o conceito de resiliência amplia a discussão ao propor não apenas a capacidade de ajustar-se às mudanças, mas também a de resistir, recuperar-se e até se transformar diante de choques e perturbações (FOLKE, 2016). No campo da segurança hídrica, construir resiliência significa preparar comunidades, ecossistemas e economias não apenas para suportar crises hídricas, mas também para aprender com elas e reorganizar-se em bases mais sustentáveis.
Exemplos desse tipo de abordagem incluem a diversificação das fontes de abastecimento, combinando mananciais superficiais, subterrâneos, reúso e dessalinização, quando viável; a incorporação de cenários climáticos em planos de bacia e políticas públicas; e a criação de mecanismos de cooperação regional para gestão de recursos compartilhados. Dessa forma, a resiliência hídrica vai além da simples mitigação de impactos, tornando-se um processo contínuo de aprendizado e inovação.
Garantir segurança hídrica em um mundo em transformação climática exige repensar a maneira como a água é gerida, distribuída e consumida. Trata-se de fortalecer instituições, investir em ciência e tecnologia, adotar políticas públicas integradas e valorizar a participação social. Acima de tudo, trata-se de compreender que a água não é apenas um recurso econômico, mas um bem comum, fundamental para a vida e para o equilíbrio do planeta. O futuro da segurança hídrica dependerá da capacidade coletiva de construir sociedades mais resilientes e adaptadas, capazes de enfrentar a incerteza climática com responsabilidade, solidariedade e inovação.
Referências:
AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUA E SANEAMENTO (ANA). (2019). Plano Nacional de Segurança Hídrica. Disponível em: https://arquivos.ana.gov.br/pnsh/pnsh.pdf
FOLKE, C. (2016). Resilience. Ecology and Society, 21(4). Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/311621233_Resilience_Republished
NAÇÕES UNIDAS. Causas e Efeitos das Mudanças Climáticas. Disponível em: https://www.un.org/pt/climatechange/science/causes-effects-climate-change
NOBRE, C. A., et al. (2016). Some Characteristics and Impacts of the Drought and Water Crisis in Southeastern Brazil during 2014–2015. Journal of Water Resource and Protection, 8. Disponível em: https://www.scirp.org/journal/paperinformation?paperid=63776
TRENBERTH, K. E. (2011). Changes in precipitation with climate change. Climate Research, 47. Disponível em: https://www.int-res.com/articles/cr_oa/c047p123.pdf