Engajamento e comunicação socioambiental: como aproximar a sociedade da gestão dos recursos hídricos
A gestão dos recursos hídricos é um dos maiores desafios contemporâneos diante do crescimento populacional, da intensificação das mudanças climáticas e da pressão crescente sobre os ecossistemas naturais. No entanto, além de aspectos técnicos e institucionais, a efetividade dessa gestão depende de um elemento muitas vezes negligenciado: o engajamento e a comunicação com a sociedade. Sem a participação social, a governança da água tende a ser fragmentada, excludente e limitada em resultados. A comunicação socioambiental, portanto, é um instrumento fundamental para aproximar diferentes públicos — comunidades, governos, empresas e organizações da sociedade civil — dos processos de tomada de decisão, aumentando a transparência, a corresponsabilidade e a eficácia na conservação da água.
No Brasil, a Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei nº 9.433/1997) reconhece a água como bem público e estabelece a gestão descentralizada e participativa, envolvendo usuários, sociedade civil e poder público. Essa concepção dialoga com o princípio da governança colaborativa, que de acordo com a definição citada no artigo de Martins et al. (2024) “é um arranjo institucional em que parceiros trabalham juntos com objetivos conjuntos para o alcance de resultados compartilhados”. No entanto, a efetiva implementação dessa participação enfrenta desafios como a falta de engajamento social ou a em Comitês de Bacia, a dificuldade de acesso à informação de qualidade e a falta de estratégias eficazes de comunicação voltadas à população em geral.
Um dos principais gargalos é a percepção limitada da sociedade em relação ao valor da água. Por ser um recurso renovável em aparência e, muitas vezes, disponível de forma gratuita, seu uso é frequentemente naturalizado. Atualmente há ainda uma falta de compreensão, em especial em comunidades vulneráveis, entre práticas inadequadas de saneamento básico e a ocorrência de doenças de veiculação hídrica, como diarreias, hepatite A e parasitoses. Isso reforça a necessidade de ações educativas permanentes que estabeleçam a conexão entre conservação dos recursos hídricos, saúde pública e qualidade de vida.
A comunicação socioambiental, nesse sentido, deve ser compreendida não apenas como transmissão de informações técnicas, mas como “conjunto de valores e ações que correspondem à dimensão pedagógica dos processos comunicativos ambientais, marcados pelo diálogo e participação coletiva” (SEMIL, 2024), tendo ainda o “foco no ‘como’ se gera os saberes e ‘o que’ se aprende na produção cultural, na interação social e com a natureza” (BRASIL, 2008). Campanhas de engajamento devem ir além do caráter informativo, envolvendo elementos de sensibilização, narrativas emocionais e valorização de experiências locais. Projetos em comunidades amazônicas, por exemplo, têm mostrado que quando a população participa ativamente da construção de soluções — seja ajudando no levantamento das informações ou auxiliando na implementação de tecnologias sociais como construção de reservatórios e manutenção de rede de distribuição de água — os índices de adesão e manutenção são significativamente maiores.
Outro ponto central é o papel das mídias digitais. O acesso à internet tem ampliado as possibilidades de democratização da informação, permitindo maior alcance de campanhas socioambientais e mobilização em torno de causas. Plataformas como o LinkedIn, utilizadas para difundir conhecimento técnico e mobilizar redes profissionais, são ferramentas estratégicas para fortalecer a cultura de governança hídrica e conectar especialistas, gestores públicos e sociedade civil. No entanto, é preciso cautela: a comunicação em redes sociais também pode ser permeada por desinformação e simplificações excessivas. Daí a importância de produzir conteúdos baseados em evidências científicas e acessíveis em linguagem, sem perder o rigor conceitual.
A educação ambiental é outro pilar de engajamento. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) já prevê a integração de temas transversais como sustentabilidade e cidadania, abrindo espaço para que escolas atuem como núcleos de transformação cultural em torno da conservação da água (BRASIL, 2018). Experiências em projetos escolares têm demonstrado que crianças e jovens se tornam multiplicadores de boas práticas em suas famílias e comunidades, ampliando o impacto da comunicação socioambiental.
Ao mesmo tempo, é necessário reconhecer que a comunicação não pode ser apenas vertical, vinda de órgãos gestores para a sociedade. A integração entre ciência, política e cultura amplia a legitimidade das ações e fortalece o senso de pertencimento, essencial para o engajamento de longo prazo.
Os desafios são significativos. Ainda há dificuldades em garantir a participação social efetiva em processos formais de gestão, como audiências públicas e reuniões de Comitês de Bacias, que muitas vezes ocorrem em horários ou locais que nem todos possuem acesso. Além disso, a falta de recursos financeiros e humanos destinados a campanhas educativas limita a continuidade das iniciativas. Por outro lado, as oportunidades também são vastas: a inovação tecnológica, o fortalecimento de parcerias intersetoriais e o avanço das metodologias participativas podem transformar a forma como a sociedade se relaciona com a água.
Diante do cenário atual de mudanças climáticas, eventos extremos como secas e enchentes tornam cada vez mais evidente a vulnerabilidade das populações e a urgência de engajamento social para a construção da resiliência hídrica. O fortalecimento da comunicação socioambiental é, portanto, não apenas uma estratégia de gestão, mas uma necessidade para garantir o futuro da água e, consequentemente, da vida. É preciso sensibilizar, dialogar e mobilizar a sociedade para que a gestão dos recursos hídricos deixe de ser uma responsabilidade exclusiva de especialistas e governos, e passe a ser uma tarefa coletiva, enraizada na cultura e no cotidiano das comunidades.
Referências
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Secretaria de Articulação Institucional e Cidadania Ambiental. Educomunicação socioambiental: comunicação popular e educação. Organização: Francisco de Assis Morais da Costa. Brasília: MMA, 2008.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Brasília: MEC, 2018.
MARTINS, H. F. et al. O campo de estudos sobre governança colaborativa: o que sabemos e para onde vamos? BIB – Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, São Paulo. Disponível em: < https://bibanpocs.emnuvens.com.br/revista/article/view/690/675>
SEMIL. O que é educomunicação socioambiental? Portal de Educação Ambiental. São Paulo, 25 nov. 2024. Disponível
em: <https://semil.sp.gov.br/educacaoambiental/2024/11/o-que-e-educomunicacao-socioambiental/>